Espantar a Revolta

Segundo Texto lido no Lançamento do Livro "Vazios da Escrita"



Espantar a Revolta

As minhas palavras conseguem ser tão acutilantes quanto meigas.
As minhas palavras conseguem acariciar a alma mas também apunhalá-la.

São elas, as palavras que me amparam as mágoas e as dores.
Mas também me fazem sorrir, denunciar e chorar horrores.

São elas, as palavras que me confortam e protegem.
Mas também me fazem sentir injuriada, injustiçada.

São elas, as palavras que me ajudam a assombrar a vida.
Mas também me acolhem e ajudam a intimidar a morte.

São elas, as palavras, as dores dos meus sofrimentos confessados e até declarados.
São elas, as palavras, as dores dos meus choros sem lágrimas por medos revelados.

Com elas sinto sem meias-medidas, receios ou preconceitos.
Com elas grito escrevendo, afogando as marcas das mágoas.
Com elas visto sorrisos, escondendo a dor, encantando o leitor.

São elas que me adormecem quando acordada estou e, me acordam quando pernoito.
São elas que me ajudam a não ficar calada, indignada até, para me acalmar a cólera.

Não mexam com elas, nem com os meus rebentos, sou fera mansa e dócil quando delas e deles acolhem, mas sei ser fera esfomeada por rasgar e esventrar, matar e degolar, com doces e requintadas palavras de revolta, a dor que a impotência me causa por justiças não se fazerem.

As palavras são a minha maior revelação, sei ser meiga, doce e até carinhosa mas, também, sei ser acutilante, altiva e orgulhosa.

As palavras são a minha maior manifestação de dor, através da revolta nelas me desnudo, sem quaisquer sentimentos de timidez, vergonha ou pudor.

A fraqueza pode nas palavras habitar, mas nunca a cobardia em mim habitou.

A fragilidade esconde-se de mim, por receio das feridas que possa abrir, fecho-as quando as devo fechar, mas rasgo-as sem pudor da dor e, defendo-me sem remorsos, tornando-me o motim espantando a sede que tenho da revolta.