Primeiro Texto lido no Lançamento do Livro "Vazios da Escrita"
O Velho e o Legado
A barba
branca de fina neve e cabelo igualmente branco mas curto, revelam a
caracterização perfeita de uma sapiência ambulante.
A sua
pele rugosa e gasta pelo tempo escureceu ao som da vida, pelo extenso trabalho
que as suas mãos denunciam.
As unhas
são o seu cartão-de-visita, denunciam, também elas, terras trabalhadas sem água
mas com sal.
De
tintas marcadas nas mãos envelhecidas, o papel rasgado e enrugado acompanha a
velhice do legado.
Este
homem de nome Velho é a sabedoria dos homens de nome Novos.
O seu
legado que é irresistivelmente cobiçado por outros, não deve nunca ser
partilhado, ele assim o entende, ele assim o quer, é seu, era seu…
Um dia,
o povo de nome Novos uma fogueira acenderam.
Colocaram
uma grande cruz de madeira nessa vermelha fogueira.
Foram
buscar o homem de nome Velho e, na enorme cruz de madeira prenderam-no, para
que partilhasse o seu pequeno, mas grande legado.
Prenderam-no
na cruz já envelhecida pelas chamas que, a queimaram abrasando-a.
Pouco
depois, a barba branca fica preta, chamuscada, juntamente com o cabelo e o
cheiro a carne queimada.
O fumo
denso começa ao céu a subir, desenham-se letras e, da sua boca enrugada
vislumbram-se textos nunca ouvidos, do seu corpo queimado soltam-se livros
nunca lidos.
Era o
homem de nome Velho a morrer e o seu legado a padecer.
E,
afinal, morreu com vontade de viver, no entanto, mataram-no por não partilhar o
seu legado que, era seu por direito, só seu, só dele, mas na mente ele venceu.
Pois, o
legado apenas deu um cheirinho através do espesso fumo que poderia ser do povo
de nome Novos, se a morte naturalmente lhe batesse à porta, mas vira-se
obrigado a queimar o seu “eu” e com ele, o seu legado.
O homem
de nome Velho morre, o legado padece, mas o povo de nome Novos empobrece!