Entrevista sobre o Livro "Silêncio Denunciado"





Entrevista de Diego Martinez Lora a Ana Mascarenhas sobre o seu recente trabalho.
"Silêncio Denunciado"


1.      Como surge a ideia de escrever este seu último livro Silêncio Denunciado?

A ideia surge numa forma de repensar a literatura como figura interventiva. Há já algum tempo que comecei a ler os textos publicados nos dois últimos livros e denotei inconscientemente textos que denunciam algo que, na minha forma de estar na vida, são completamente irreais… se assim posso chamar…

2.      O que é que este livro traz de novo ou de particular comparativamente aos outros livros que já publicou?

Traz um tudo e um todo. Começa por ser uma única narrativa ao invés de várias como constam nos livros anteriores. No entanto, se eu refletir melhor, o livro Silêncio Denunciado também pode ser visto como tendo várias narrativas, uma vez que os seus capítulos, embora com um sequência lógica, revestem vários males das várias sociedades. E, é precisamente devido à sua sequência lógica que o livro Silêncio Denunciado acaba por fazer parte do universo literário romancista.

3.      Que novos desafios enfrentou ao escrever Silêncio Denunciado?

Alguns! O maior foi, talvez, a estrutura da obra em si. Sabia que queria escrever sobre todos os males que habitam no mundo, mas, sabia ser impossível, assim, acabei por dedicar-me àqueles que mais me tocam em particular, talvez pela forte presença, ainda, destes males nas várias sociedades. No entanto, também, não posso deixar de denunciar que, vestir o papel de uma personagem que se revê em várias foi o maior desafio. Queria que o livro fosse intenso, provocasse emoção e, ao mesmo tempo, não queria desenvolver muitas personagens, logo, teria que estruturar muito bem a obra, de forma a que o leitor quando a fosse ler, percebesse que uma única personagem poderia representar várias, sendo ela própria divisível através da procriação…por outro lado e, como é evidente, acabei por abraçar da(s) personagem (ns), aquela dor mais acentuada. Aquela que todos sabem que existe, mas calam…


4.      Como está estruturada a obra?

Como referi, a obra está estruturada por capítulos que antevê uma narrativa formada por uma sequência lógica na história apresentada. Cada capítulo representa um tema e, em cada tema pode ser facilmente identificado a origem da dor incluída no próprio tema. Ou seja, existem algumas particularidades na narrativa de cada capítulo, que antevê se o mesmo se passa, por exemplo, na Índia, na China, em África, Europa ou, em que Continente a atrocidade em si é mais (in)visível. Escrevi (in) porque, efetivamente, a atrocidade é visível, mas nós, humanos teimamos em torná-la invisível.




5.      Quais são os personagens principais de Silêncio Denunciado?

Eu diria que existem três grandes personagens principais: A mãe de Alma, a Alma e o pai adotivo de Alma. No entanto e, como referi anteriormente, a Alma representa em si várias mulheres das várias sociedades, incluindo, como é óbvio, a sua própria mãe que, apesar de ter sido lapidada foi quem deu corpo à obra…

6.      Qual é a distância (ou proximidade) entre a autora, a narradora e as personagens, uma vez que por vezes se tornam quase indistinguíveis nos sentimentos que expressam?

É natural que a distância seja praticamente nula na maneira de sentir, no entanto, e, devido à proximidade física ser o reflexo da distância geográfica, é natural que haja uma certa diferença, uma vez que estou apenas a descrever o que supostamente sinto, mas não sinto, porque não vivi, realmente, nenhuma das atrocidades reveladas na obra. Diria que, me aproximo como autora e narradora dos sentimentos mas, também, me distancio não só geograficamente, mas, porque apenas suponho sentir o que deveria sentir se vivesse o que narrei…

7.      Acha que aquilo que denuncia é claramente injusto e desumano aos olhos de todos?

Hesitei muito nesta resposta. Ao princípio pareceu-me bastante lógico responder afirmativamente. Afinal, somos humanos e a dor alheia faz-me (nos) doer, também. No entanto e, depois de refletir um pouco percebi que, se fosse claramente injusto e desumano aos olhos de todos, não haveria a necessidade desta obra ter nascido. É óbvio, claro e inequívoco que a justiça não é absoluta, a verdade também não, no entanto, existe um sentimento que é comum e atrevo-me mesmo a dizer, absoluto, é ele a dor, logo, sendo a dor absoluta, pese embora sentida de diversas maneiras em diferentes seres, o que é um facto é que não deixa de ser dor, assim, denunciar as atrocidades que determinados seres provocam em outros seres, mesmo aqueles que nada fazem mas sabem que existe, torna-se imperativo, caso contrário, esta obra não teria nascido…

8.      Em Silêncio Denunciado aparece quase todo o tipo de sofrimento por que passam muitas mulheres pelo mundo fora, descrito através das poucas personagens do livro, sem que se detenha muito com detalhes geográficos e históricos. Quer com isto dizer que o sofrimento é universal e que todos temos a nossa quota-parte de culpa nessa partilha silenciosa?

Sem dúvida! O sofrimento sendo um sentimento é único e universal, também. Todos temos a nossa quota-parte de culpa em todo e qualquer sofrimento alheio, no entanto, a ausência de detalhes prende-se, essencialmente, com o facto de eu querer chamar à razão o que é realmente importante. Receei, confesso, que, os detalhes aflorassem a obra, tornando-a menos dura e, o que pretendi foi, precisamente, dar um murro no estômago, denunciar sem falsas modéstias um falso moralismo, sendo direta, assertiva e consistente.




9.      A sua definição de literatura tem vindo a mudar desde que começou a escrever os primeiros textos?

Sem dúvida! Pese embora a base esteja lá, o meu cunho pessoal seja indiscutivelmente inconfundível, o que é certo é que, a minha escrita tem-se revelado mais acutilante. Desafio-me a ser menos discreta, se é que algum o fui, pelo menos com as palavras, mas, acima de tudo, desafio-me a ser mais ofensiva sem ofender, agressiva sem agredir, desafio-me, inclusive, a provocar as palavras para elas abanarem mentalidades, ou seja, provocar no sentido de despertar, de desafiar o ser humano, a sua reputação, a sua imagem, tornando-o frágil, quebrável…
Encontrei na literatura não uma definição, mas, antes uma revelação, uma nova forma de agir, ser e estar… atuar interventivamente através da escrita foi o que descobri em mim sem procurar…

10.      Que novos projetos tem em mente?

Tantos e tão poucos! Muitos e nenhuns…
De facto, parece um paradigma o que acabei de escrever, mas, a realidade é que tenho estado imersa em vários projetos, nomeadamente, numa autobiografia, num livro de citações próprias, numa biografia de uma determinada personagem, num livro de poesia, mas… enquanto não concluir pelo menos um, posso dizer que estou absorvida em muitos e em nenhuns ao mesmo tempo e, também, tantos, porque de facto, são alguns, mas, poucos para o que pretendo ainda fazer…


11.      Que tipo de reação antevê dos seus leitores a este novo livro Silêncio Denunciado?

Esta é a pergunta mais difícil de responder. Não sei! Talvez uma reação semelhante às anteriores obras, uma vez que o meu cunho, como já referi, nunca esteve ausente… mas, acrescento que, a expectativa é alguma…