Discurso Encontro Escritores Lusófonos



Discurso para o Evento
«Encontro Escritores Lusófonos»

 Boa tarde!

Apresento-me como sendo autora de dois livros publicados respectivamente em 2009 e 2010, ambos escritos em prosa poética e poesia narrativa.

«Louca Sensatez», título do primeiro livro retrata a sensualidade e o erotismo feminino.
«Em Carne Viva», título do segundo retrata os males da sociedade em que vivemos.

No próximo sábado, dia 28, irei lançar o terceiro livro, igualmente escrito em prosa poética e poesia narrativa. «Vazios da Escrita» é o seu nome e tem prefácio de Miguel Real. É um livro que acaba por ser a continuidade do segundo, pois, retrata o crescimento interior, como crescemos nesta sociedade?! O evento decorrerá pelas 18h30, no Hotel Real Palácio na Rua Tomás Ribeiro, em Lisboa, assim, fica desde já o meu convite, caso queiram comparecer, obviamente, ficar-vos-ei eternamente grata.

O meu percurso literário, embora tenha iniciado publicamente aos 40 anos, revela que o ser humano tem uma capacidade ilimitada de inovar, apreender e, porque não, esgotar o seu limite apenas na imaginação, isto porque, o limite, se assim o entendermos, está na nossa capacidade imaginativa, ou seja, podemos ser tudo de todas as maneiras…

Estou neste momento a desafiar-me num romance, pois os três livros agora citados são, como disse, escritos em prosa poética e poesia narrativa. Um romance que será diferente e único, pois retrata numa única pessoa situações que devem ser denunciadas por todos, como a mutilação genital, a violação, a lapidação, a barriga de aluguer, o tráfico de órgãos humanos, o rapto, as minas, o infanticídio feminino, enfim, todos os males que existem numa sociedade dita global.

Para vos dar a conhecer um pouco da minha escrita irei ler um texto de cada livro já editado.
O primeiro pertencente ao livro «Louca Sensatez» e intitula-se «Sabre» 







Ainda é noite, mas o dia já acordou, está frio e chove torrencialmente.
Despi-me de corpo e vesti a alma, fui buscar o Sabre e abri uma das portas que dá para o jardim.

A escuridão era iluminada pelo barulho de pequenas luzes que aqui e ali se escondiam na madrugada adentro.

A música soava na minha cabeça e de olhos fechados, caminhei em direcção à relva molhada.

Assim que coloquei o pé fora da alçada, sofri um arrepio de fazer colar-nos o corpo a uma fogueira, queimei-me com gelo quente e senti o frio borrifado pela chuva.

No Verão são rituais mais quentes e húmidos, contudo o gozo que me dá em praticar arte para a arte, estar nua sem ser vista, manter equilíbrios desequilibrados, é um prazer inesgotável que em mim habita e me aquece como o fogo que me atinge e me padece.

De Sabre na mão, coloquei-me em posição de equilíbrio, mantive uma silenciosa postura de rapidez atravessada pelo lento Sabre que saqueei e atingi sem foco, o que o vento fez questão de denunciar.
Um vento provocado pelo saque do arremesso do Sabre que a rapidez suavizou lentamente.

O gosto que tenho em desafiar o destino, é me imposto por mim e nem sei porquê, mas gosto de estar naturalmente escondida, protegida até, … dentro do meu espaço verde e que sei nunca me denunciar para o mundo. As posturas corporais acusadoras e de Sabre na mão, podem ser entendidas como ofensas e incompreendidas por terceiros.

Mas gosto, gosto mesmo de expor-me sem ser vista, de me denunciar, sem ser denunciada, de me acusar, sem ser acusada, de praticar, sem ser praticada, gosto apenas…de ter o poder de saber que me protejo das minhas denúncias e das minhas acusações, pois comigo tenho o Sabre que me inocentará com o fim de não ter fim.

Completamente extenuada pela frieza da chuva e aquecida pelos movimentos desequilibrados e, ainda de Sabre na mão deitei-me na relva ensopada de chuva e granizo, congelei-me até a dor me aquecer o corpo e inerte ficar.

Deixei-me estar deitada e adormecida.

O tempo clareou e eu levantei-me. Pé ante pé silenciada pelo nada, limpei cuidadosamente o Sabre e guardei-o em lugar oculto. Subi as escadas de madeira aquecidas pelo calor humano, denunciei-me através das pegadas molhadas que deixavam rastos de água agora aquecidas.

Abri a torneira e enchi a banheira, quebrei o silêncio e o mundo acordou. Eu… simplesmente já deitada na banheira cheia de espuma e de doces aromas, vesti o corpo e despi a alma, para parecer a mulher normal que qualquer mulher é.

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Como puderam ouvir, retrata a sensualidade da mulher num estado sensatamente louco…








O texto que agora vou ler pertence ao livro «Em Carne Viva» e, porque estamos num encontro Lusófono «Timor» é o seu título: 


Timor



Foi há 18 anos que me pariram.

Nasci à custa de cerca de 200 mil almas, naquele séquito inferno de consternação e mágoa, que por mim lutaram de modo a que a dor não se fizesse sentir, nesse parto que teimou em chacinar, mas vingou ao nascer. 

Da terra que não tem dono e do homem que não tem terra, quiseram em mim penetrar, fecundar-me até ao mais âmago da minha alma, matar-me para não nascer e apenas existir com cúmplices nomes de crueldade e vingança. 

Dei tudo de mim e de mim tudo tiraram, mas venci, mesmo que do nada tenham surgido almas espalhadas por campas não desejadas, renasci e agora vivo, em honra daqueles que por mim quedaram e, não em prol dos que em mim habitaram, com garras de guerra sem nome, por uma ambição desmedida e igualmente desumana.

Nasci, mas não cresci.

Estou ainda a amadurecer ideias e ideais, estou a parir novos feitos sem feitos, desta feita, com dor daqueles que ficaram, pela saudade dos que partiram. 

Surgi, como disse, com novos cúmplices, mas agora quererei apenas ser conivente com a honra e não com a desonra, quererei apenas partilhar e fecundar vidas com sede de brincar, brindar e brilhar por motivos vários e, por muitos e muitos anos, séculos até, mas sempre lembrando que foi no dia 12 de Novembro de 1981 que, em mim elegeram a luta pela independência que apenas aos 18 se tem, mas não se vive, porque o amadurecimento dessa vida, vai longe, e apenas cresce com a dor que nos desafia.

Sei ser igual dor para muitos, como fui para aquelas almas que por mim cederam, mas sei que muitos há que por mim lutarão, apenas por acreditarem que eu posso viver em harmonia, com nome de democracia não camuflada e apenas desnudada.

Timor, terra virgem que já foi desbravada, terra fértil que já foi fecundada e, agora renascida de almas vivas, porque nelas serão lembradas uma data que nunca foi data mas, agora é data da memória com dor.

A Vós almas, desumanamente e cruelmente chacinadas, que por mim sofreram, em cruzes de Cristo e jazigos ossários, num cemitério onde a paz um dia reinou, mas nessa hora apenas matou.

A Vós almas, 18 anos depois, Vos suplico que deis nome a outras almas, desta feita, vivas e humanas, para que eu possa crescer e não apenas ficar, como que se toda a Vossa luta tivesse sido em vão, e de nada valeu terem-me oferecido o que de mais precioso temos, a vida, a nossa vida, a terra, a nossa terra, a alma, a nossa alma e a honra, a nossa honra, mas sempre sem desonra. 





Obrigada!

Ana Mascarenhas
Odivelas, 21 de Maio de 2011