Entrevista a Ana Mascarenhas


Entrevista de Diego Martinez Lora a Ana Mascarenhas


1.      Como se reflectem os teus estudos de Literatura na tua escrita. Sentes que estás a evoluir?

Sem dúvida. Aliás, o regresso aos estudos será um regresso permanente. Ao contrário do que se costuma dizer, o saber ocupa sim, um lugar, a mais que não seja, o lugar da ignorância. Os estudos têm-me permitido uma melhor reflexão com e na escrita, tenho aprendido a desenvolver e a clarificar melhor as minhas ideias e os meus ideais de vida.


2.      Como actua a autocrítica em ti?

Cada vez pior… ou melhor, não sei!
Sou cada vez mais exigente, não consigo escrever apenas um único tema, tenho obrigatoriamente que variar, escrevo temas amorosos e desastrosos, reais e irreais, verídicos e fictícios, mas são sempre temas que requerem alguma reflexão.
A minha exigência pautou-se essencialmente com o que chamo “dar tempo à escrita”… não escrevo por escrever, escrevo quando sinto essa necessidade e dela nasce algo que, de uma forma ou de outra, me obriga a reflectir sobre o que quero, de facto, escrever, coisa que não acontecia… há muito…


3.      Quais são os comentários que gostavas ouvir dos outros?

Sinceramente, sinceramente… não me agrada ouvir apenas o “gosto” ou o “simplesmente belo”, gostava que me lessem com gosto de ler, que me criticassem de forma construtiva, como é óbvio, mas gostava de ouvir algo que não fosse apenas, o “adoro”… gostaria de ouvir algo como uma reflexão sobre determinado texto, enfim… algo com que eu também me identificasse ou aprendesse, ensinando, igualmente…


4.      Qual é o teu sonho de (como) escritora?

Gostaria… sem sombra de dúvida de ser reconhecida como tal.
Não, ser reconhecida para ser conhecida, mas, antes de mais, ser reconhecida pelo mérito, se é que o tenho… não sei, apenas os leitores o podem avaliar e para isso, é preciso lerem-me, estudarem-me, compreenderem-me, isso para mim era o suficiente, era mágico, era o reconhecimento do “esforço” de um trabalho pelo qual faço com gosto e por gosto.


5.      Quais são as tuas principais motivações para escrever?

São várias, aliás, penso que já tive oportunidade de o dizer, mas, acima de tudo, é a vida. O que se passa entre nós, humanos, os sentimentos que nos percorrem, quer sejam justos ou injustos, mas é o sentido deste mundo que se inclui num universo que desconhecemos, mas teimamos em julgar, que tão bem o conhecemos…



6.      Quais são os prós e os contras duma rede social como o FB para um escritor?

São os mesmos que temos na nossa vida, afinal, o que é uma rede social? É a nossa vida que, pode ser vivida socialmente palpável ou socialmente virtual… ambas são espelhos de ambas…

Os mal entendidos existem, os falsos amigos também, ele há igualmente os verdadeiros e, também, os esclarecimentos, as aprendizagens, o ensinamento… não passa de uma ferramenta de nova geração, a da comunicação, mas não é ela, a comunicação já o meio mais antigo e utilizado para uma boa plataforma de entendimento…?! O que muda? Apenas o meio…


7.      O teu prazer de escrever é o mesmo que o de ler?

São prazeres distintos. O prazer sendo um sentimento não pode ser medido, quantificado, logo, é apenas sentido, logo é um prazer sentido mas distinto.



8.      O que exiges dum escritor para poderes gostar do que escreve? Ética e estética:

Exijo acima de tudo conteúdo, através do conteúdo posso sentir a ética, a Alma…se escreve com ou sem Alma… ou, pelo menos, se escreve com Alma de quem sente… a estética apenas se for e, como disse, através de uma beleza interior que transparece nas letras que solta…


9.      Entre um poema e um romance: duas inteligências diferentes?

Sim… duas inteligências diferentes que se podem ou não cruzar dentro do mesmo autor, da mesma Alma, da mesma pessoa… no entanto, e, caso apenas uma se dê, apenas e só numa pessoa, não é por isso que essa pessoa seja ou não, mais ou menos inteligente, é apenas uma questão de alargar ou não horizontes…


10.      Sentes que a autocensura diminuiu em ti?

De todo, aliás, está cada vez mais presente, pois, sinto que estou cada vez mais exigente comigo própria, logo, a autocensura acaba por ser uma consequência dessa exigência.


11.      Estás ciente dos recursos literários que utilizas?

Perfeitamente. Tenho plena consciência que escrevo na 1ª pessoa, independentemente de se tratar de uma pessoa, terra, objecto ou outro… no momento em que escrevo, sou o que escrevo e descrevo. Uso muito a assonância, o paralelismo, os analogismos, a personificação e até a inversão, entre outros, claro.

Curiosamente, aqui há tempos pediram-me que escrevesse algo sobre a minha pessoa e, por incrível que pareça e, pese embora escreva sempre na 1ª pessoa, não consegui escrever na 1ª pessoa mas sim na 3ª pessoa, talvez por se tratar de mim, não sei. Porque será? 


12.      Entre o espontâneo e o programado, entre a inspiração e o trabalho literário…

O que é espontâneo é natural, é a nossa Alma a pedir que se solte, é a aliança perfeita entre a inspiração e o trabalho literário. Não consigo escrever de forma programada. Aliás, estou a escrever um romance que me está a dar um especial gozo, porque não o escrevo seguido, de forma programada, escrevo-o quando a espontaneidade e a inspiração estão dentro de mim, chamam por mim…invocam a minha criação literária como se dela elas precisassem…para respirar, para viver…


13.      Pensas que até agora “Louca Sensatez” foi o teu melhor livro?

Não direi o melhor, mas direi diferente, único, singular, até porque por ser o primeiro, retrata temas delicadamente «chocantes» para mentalidades menos sensatas.



14.      Quais são os teus escritores preferidos?

Póstumo é Fernando Pessoa. Gosto de o estudar de perceber a sua mente… foi um escritor complexo, inovador, criativo, raro até…

Recentemente póstumo e, como não podia deixar de ser, Saramago. Foi um escritor polémico, algo que até hoje a igreja não entendeu, pois e, pese embora se tenha intitulado ateu, o facto de se questionar, de escrever sobre Cristo, a sua polémica… não deixa de ser um acto de acreditar em algo… algo que a igreja nunca quis ver… acho que, acreditava mais do que muitos padres, sacerdotes e pessoas que se intitulam crentes…

Obras menos complexas mas que nos fazem igualmente pensar, são as de José Rodrigues dos Santos, gosto do que escreve, da sua postura literária, da sua dedicação e investigação…

Estaria aqui uma eternidade a citar escritores da época clássica, romântica, modernista e até, obviamente, contemporânea… são muitos…




15.      Entre Saramago e Lobo Antunes?

São escritores diferentes. Enquanto Lobo Antunes dedicou mais as suas obras entre a Liberdade de Expressão (Antigo Regime) e o actual regime, Saramago escreveu sobre variadíssimos temas, desde temas históricos, como Cristãos vs Pagãos, como Filosóficos e muitos outros…talvez pela sua natureza de origem humilde, sempre reivindicou a justiça social de uma forma ou de outra, nas suas obras literárias…


16.      Existe uma escrita feminina?

Penso que já tinha respondido a esta questão…e, citando o que respondi anteriormente, digo:
Não acho que as literaturas tenham que ser femininas ou masculinas, até porque a literatura não tem sexo, mas existe uma clara tendência para determinadas leituras serem absorvidas por seres femininos e outras por seres masculinos, no entanto, e no meu ponto de vista, toda e qualquer literatura é e deve ser absorvida por seres de ambos os sexos, como disse, a literatura não tem sexo.


17.      A escrita é proporcional à insatisfação ou é o reforço da felicidade?

Ambas. A escrita é um acto solitário, biográfico e narrativo. Revela-nos, acusa-nos e delata-nos. Mas, acima de tudo, a escrita é a arte de comunicar, revela a insatisfação e a felicidade alheia, mas igualmente nossa…


18.      Como escolhes os livros quando estás com vontade de ler?  Quais são os teus hábitos de leitura?

Actualmente e, devido à Faculdade escolho livros que me fazem pensar menos, pois, sinto a cabeça algo esgotada, mas o meu hábito de leitura é diário. Actualmente estou a ler “Memórias de Adriano” de Marguerite Yourcenar. Foi o que comecei a ler antes de começar o segundo semestre e espero terminá-lo em breve.


19.      O que é o que mais te desanima na tua actividade de escritora?

A falta de aposta na Cultura… Todos os sucessivos Governos nunca apostaram na Cultura do nosso país, nem tão pouco as editoras, pois são meros ofícios de gerador de dinheiro, deveriam, ambos, entre outras instituições literárias, apostar mais nos novos escritores, na potencialidade que existe no nosso país, é um caminho difícil, penoso até, mas quando se escreve por gosto, tudo se torna ultrapassável…


20.      Já escreves respeitando as pautas do novo acordo ortográfico?  

Confesso que não. Não porque esteja contra ou a favor, mas é mais fácil criar um novo hábito, do que tirar um, já criado.