Palavras Prévias - Os Limites do mal...





Este livro retrata a vida de uma mulher casada, mãe de dois filhos e, que um dia se apaixonou pela vida. Apaixonou-se de tal modo pela vida que quis segui-la de acordo com os seus princípios, sendo leal a si mesma, mas, ao tomar essa decisão, criou danos colaterais e cruelmente foi julgada de uma forma tão acutilante quanto agoniante, quer pelo marido, quer pelos próprios filhos.

É um livro escrito na primeira pessoa, identidade que a autora já nos habituou, refletindo um passado presente, mas com a certeza, porém, de que o futuro sendo incerto é tão certo como a morte.

Este livro, aliás, na sequência do último, "Silêncio Denunciado" é um grito de alerta para todas as mulheres que sofrem de violência doméstica. De salientar que a violência doméstica não se prende apenas e só com o ato físico em si, prende-se também com a violência emocional que mais não é do que a sequência e consequência da violência física.

Não é um livro fácil de escrever, até porque tenho que (re)visitar memórias ainda frescas que continuam a magoar quem escreve e quem lê... quem as viveu já nada sente, tal foi e é a dor que conseguiu anestesiar todo e qualquer sentimento, incluindo, matar a capacidade de voltar a  Amar...

[...]

Coloquei as chaves à porta. Tinha acabado de fazer uma viagem de cerca de 7 horas. Estava cansada, apenas queria tomar um banho e ir tratar de toda a papelada que necessitava de tratar para depois descansar. Mal entro vejo-o sentado, com aquele ar carrancudo, com ar de poucos amigos. Depois da minha mãe sair, porque foi ela que me foi buscar ao aeroporto, tentei cumprimentá-lo, mas em vão. Dirijo-me à sala de jantar e vejo a mesma cheia de álbuns fotográficos, cheia de coisas em cima da mesa. Questionei o porquê de tamanha desarrumação e enquanto questionava dirigia-me para junto dele. Foi então que do nada senti um soco seguido de estalos, murros, derrubando-me por completo no chão. Sem perceber ao certo o que se estava a passar, tentei defender-me ao máximo da força bruta que pairava em cima de mim, tentava proteger a cara dos murros, mas eles encontraram outras partes do corpo, o pescoço, as mãos, os braços, as pernas, as costas… tudo. Tentei escapar e da boca só me saía, amo-te, para, amo-te… nunca te fiz mal, eu amo-te, para. Numa das minhas tentativas de fuga consegui fugir para a rua e gritei o mais que pude por socorro. Veio uma vizinha em meu auxílio, mas ele apenas dizia que eu estava louca, para não ligar que eu estava louca e precisava de ser medicada. Supliquei por tudo, para ela não me abandonar, pedi-lhe ajuda, socorro, implorei que não me deixasse ali, que não me abandonasse. Ela veio junto a mim e levou-me para dentro do seu carro. Foi a minha salvação!

Não parei de pedir desculpa. Desculpava-me por tudo o que estava a fazer passar a uma pessoa que mal conhecia, a minha vizinha. Sentia-me envergonhada, completamente humilhada, sentia-me perdida e sem saber o que fazer, o que pensar.

A meu pedido, a minha vizinha deixou-me num centro comercial, um local onde estivesse muita gente, porque entretanto e através do telefone da minha vizinha telefonei para a minha mãe, para ela ir ter comigo. Fiquei sem telefone, ele foi literalmente esmagado nas minhas mãos e depois atirado para o chão.

Mal entrei no centro comercial senti-me diferente, tudo me era estranho, a vida em si tinha desabado e nem ela fazia sentido, não consegui olhar ninguém de frente, tal era a vergonha, tal era o medo que soubessem que eu, uma mulher independente, do século XXI, levou uma tareia e nem sequer se soube defender, por isso, envergonhei-me de tal ato, por ser tão independente numas coisa e tão dependente noutras, a proteção da família a qualquer preço. [...]

Ana Mascarenhas