Tudo começou com um convite da minha Amiga Cátia para
me juntar a um grupo de fotógrafos profissionais e amadores que pretendiam
fazer o registo fotográfico dos bairros de Luanda, os musseques, para que as
gerações vindouras tivessem um testemunho visual de como as gerações anteriores
viviam antes da requalificação urbana chegar. Em Angola passamos por bairros
como o Sambizanga, o Rangel, o Cazenga, a Ilha e muitos outros, dentro e fora
de Luanda.
Este grupo de nome VêSó foi o maior impulsionador
pela minha paixão fotográfica.
Com a família VêSó cresci como pessoa, pois deram-me
a oportunidade de penetrar em musseques que até então era impensável entrar,
deram-me a oportunidade de conviver com gentes destes bairros, pessoas como
nós, que nada têm, mas estão sempre dispostas a mostrar o seu sorriso, crianças
que estão sempre prontas a pousar para a câmara, a brincar connosco e até
acompanhar-nos nas nossas saídas pelos bairros adentro.
Por isso, tenho que dizer um grande bem haja a esta
família, à família VêSó que, sem ela este livro não seria possível, sem ela eu
não teria aprendido tanto sobre fotografia, e sem ela não teria me apaixonado
por esta nova faceta que em mim descobri. Obrigada, Família VêSó!
Posso então assumir que me tornei uma Amante da Fotografia,
não sou profissional, antes pelo contrário, sou uma perfeita amadora, mas
traduzo a fotografia como uma forma de Arte. Obviamente que todos os fotógrafos
vêm a fotografia como uma forma de Arte, mas sei que os profissionais trabalham
a fotografia para que a mesma se aproxime ao máximo da realidade, uma espécie
de: “What you see is what you get”,
no meu caso eu sinto ser diferente, eu vejo a fotografia e trabalho-a da forma
como a vejo é certo, mas dou-lhe uma roupagem de acordo como a minha Alma
traduz a imagem. Não trabalho a fotografia de acordo com a realidade das cores
que elas estão no exato momento, por exemplo, trabalho com as cores que a
imagem me transmite no momento em que a tiro. É a forma como a vejo, como a
sinto e até como cheiro o local onde tiro a fotografia, tento de alguma forma
produzir todos os meus sentidos na edição da imagem, no momento em que tiro a
fotografia.
Isto para mim também é uma forma de Arte.
Por vezes questiono-me:
Existe Beleza no horror? Sim, infelizmente também
existe.
Ou, existe horror na Beleza? Claro, também existe e
uma vez mais, infelizmente.
O que pretendo dizer é que tento de alguma forma
extrair de toda a negatividade que existe em redor da imagem algo de belo,
porque quero acreditar que existe sempre algo de positivo dentro do negativo ou
do horrível, para não ser mais acutilante, mas de facto quero acreditar que
existe sempre, mas sempre algo de bom, de belo e de positivo dentro de toda uma
negatividade que envolve o ambiente por onde passo para tirar este tipo de
fotografias. Por isso, o nome, Iceberg.
O Iceberg mostra-nos apenas a ponta dele mesmo, o
belo e/ou o feio pode ser visível no imediato, à vista de todos, ou apenas ser
visto por quem quer realmente ver, penetrando nas entranhas do mundo, nas
profundezas do que está verdadeiramente escondido. Depende de quem vê, como vê
e de onde vê.
É isso, gosto de olhar com olhos de ver, observar
calmamente e até apreciar.
Gosto de fotografar gentes, costumes, a Alma destas
pessoas, o que elas traduzem, os hábitos, a força de vontade delas, o que elas
representam para a sociedade, gosto de fotografar o diferente, aquilo que
normalmente as pessoas não gostam de ver ou preferem olhar para o lado, porque
é mais fácil, porque, porque, porque, porque…
É uma espécie
de dicotomia, aquela que a vida habitualmente nos oferece e da qual já faz
parte do nosso mundo, e da Vida que insistimos muitas vezes Viver sem assumir,
ou seja, apenas existir.
Para Vivermos assumidamente temos que fazer a
diferença em algo, temos que deixar um legado, normalmente dizemos que os
filhos são o nosso maior legado, sim, é certo, mas… e os filhos daqueles que
nada têm? Pois é! Esses também são um legado, o legado de alguém que não pode ter
testemunho, por isso, há que fazer a diferença quando temos a hipótese, a possibilidade
e acima de tudo a vontade de fazermos dos filhos dos outros também um legado.
Este livro é para todos os que infelizmente não podem
usufruir desse legado, este livro é o legado dessas pessoas.
Ana Mascarenhas
24 de Janeiro de 2017