Lágrimas de Chuva



Atirei a mala para o banco do pendura, sentei-me no carro, baixei a pala e vi-me bem de perto ao espelho. A porta do carro ainda estava aberta, carreguei no botão de arranque, fechei a porta e ali fiquei.

Tinha o CD da Gianna a tocar e aumentei o volume da música. Peguei na mala e tirei os meus óculos de sol. Baixei o travão de mão, coloquei a marcha atrás e ouvi os sinais sonoros da indicação de marcha atrás, comecei a minha viagem.

O som da música absorveu-me por completo, oiço a chuva lá fora.

Já estava na auto-estrada e as nuvens carregaram-se de negro, a chuva caiu forte e feio como se de uma tempestade se tratasse.

Sinto uma gota escorrer-me pela cara, sinto-a chegar-me aos lábios, estava salgada.

Outra gota, e mais outra, paro o carro em plena auto-estrada, saio, deixo a porta aberta e o som da música abafa o som da chuva.

Estava já ensopada, molhada por um todo, a minha roupa colada ao corpo denunciava-me frágil e delgada.

Senti arrepios, senti mais uma gota e mais outra, eram pingos da chuva combinados com lágrimas.

Abri os braços e comecei a rodopiar, dei voltas completas, dei meias voltas, chorava compulsivamente e nada nem ninguém se apercebeu se eram lágrimas ou simplesmente chuva.

Havia carros a abrandarem, outros pararam igualmente em plena auto-estrada, uns chocavam com outros devido à pouca visibilidade, sabia estar a provocar uma tragédia, sabia estar a ser alvo de atenção, sabia ser a plateia, o palco e a acção. Uns saíam do carro e aplaudiam, outros saíam e gritavam louca, outros simplesmente não saíam, o trânsito ficou infernal, parou por completo, a fila tinha já alguns metros para não dizer quilómetros.

Eu ali continuava a dançar, a rodopiar ao som da voz rouca de Gianna, de corpo denunciado pela roupa molhada devido à chuva que teimava em não abrandar e, acompanhava a música como se de uma banda fizesse parte. Estava louca, louca de nostalgia, louca de frio, de medos e receios. Era a minha tristeza, era o meu refúgio, era a minha solidão, um vazio sem igual que naquela condição estava e apreciei-a em cada segundo, em cada minuto desse insólito estado nostálgico em plena auto-estrada.

A música continuava e eu abrandei depois de compulsivamente ter chorado. A chuva acompanhou-me sempre, agora também num aparato menos agitado. Acalmei-me e parei de rodopiar, baixei os braços e pensei. Este pequeno momento de loucura foi o melhor que senti em toda a minha vida, estou como nova, soube-me bem e fiquei outra.

Entrei para o carro, mas sem antes despir-me apesar do frio que me percorria o corpo. Estava completamente encharcada de dor, molhada de lágrimas e ensopada de chuva.

Comecei a conduzir, conduzia agora num estado bem mais calmo, estava nua no corpo e despida na alma. Os carros que podiam, arrancaram, aqueles que se atropelaram ali ficaram para resolverem as suas ocorrências de percurso e eu…eu já estava curada, resolvi o meu incidente de viagem com lágrimas de chuva provocando acidentes de loucura numa qualquer auto-estrada de Portugal.